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domingo, 24 de junho de 2012

Chato, e querido

O problema dos chatos é que demoram demais. Demoram numa conversa casual de esquina, demoram ao telefone, demoram a contar um caso, uma piada, ou a descrever uma cena, demoram a se despedir. Não sabem ir embora. Têm medo de ficar sozinhos consigo mesmos e se chatear. Sabem do que são capazes. Como disse o poeta Dylan Thomas: “Alguém está me enchendo o saco. Acho que sou eu”.

O ponto crucial da nossa relação com o chato é o tempo, o nosso tempo, que prezamos demais. O chato não tem esse problema, ele despreza o tempo. Não quer transformar o tempo em dinheiro, mas em conversa, uma lenta conversa na qual é protagonista. Não há chatos calados. Se um chato ficasse calado, você não saberia jamais que está diante de um deles.

 Exceção é o chato suspiroso. Conheci um. Falava pouquíssimo, mas suspirava sem parar, dos suspiros fundos e trêmulos aos que se confundiam com o ato de expirar, só que se ouviam. Suspiros eram para ele uma forma de conversa, respondia com suspiros, comentava com suspiros, concordava com suspiros, alguns tão fundos que pareciam gemidos. Era como se dissesse que nos poupava o transtorno de contar suas angústias e as manifestava em suspiros. O último deve ter sido também de alívio.

 Poder-se-ia supor que as pessoas bonitas não chateiam, porque enfeitam um ambiente. Não é verdade. Chatos não têm encantos, mesmo quando têm beleza. Conheci um desses, bonito, olhos azuis, algum dinheiro, mas... Não conseguia que as mulheres ficassem com ele por mais de uma semana.

Quando é que uma pessoa começa a ficar chata? Como se aprimora? Uma criança não é chata, no sentido do chato adulto. É chamada de chata por causa de distúrbios de comportamento, como birra ou turbulência, não por se alongar explicando uma coisa, ou por seus assuntos serem maçantes. Nunca são. A gente conhece os chatos já prontos, não em formação. Talvez houvesse tempo de recuperá-los para o convívio diário e prazeroso, se fossem identificados prematuramente. Está aí um ramo ainda virgem da psicologia.

 Entre os tipos humanos, o grupo mais intrigante é provavelmente o dos chatos queridos. Admite-se que são ótimas pessoas, generosas, prestativas, solidárias, mas a convivência com elas é penosa. Há pessoas difíceis que não são necessariamente chatas. Os briguentos, por exemplo, os instáveis, os agressivos, os grilados, os viciados, os consumistas compulsivos, os maníacos, os mal-habituados, os autoritários, os ciumentos — todos têm momentos insuportáveis, mas não são aborrecidos “full time”, não carregam aquele peso que transborda do chato.

 Os chatos queridos ajudam quanto podem a quantos pedem. Podemos contar com eles. Mas não conseguimos ficar à vontade por muito tempo na sua companhia; vai surgindo em nós um fino, ínfimo padecimento, que cresce quanto mais inescapável é a situação. Depois de nos livrarmos deles, com uma desculpa qualquer, sentimo-nos aliviados, mas levemente culpados, porque sabemos que são boas pessoas, e só a nossa impaciência as desmerece. Ao contrário, quando nos livramos dos chatos que não têm atenuantes, o sentimento é de triunfo, com música de Wagner ao fundo.

 Os queridos, quando morrem, são pranteados em enterros concorridos; no velório, são lembrados seus melhores momentos. Sentimos saudade. Não talvez dos seus momentos de aplicado cumprimento do seu papel no mundo (são predestinados!), mas daqueles momentos de presteza e bondade com que compensaram sua inglória missão.

Fonte: Veja São Paulo

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Meu amor da infância.

Queria que seu amor fosse o meu amor de infância
Puro, ingênuo, sem as malícias que a vida nos ensinou a ter.

Queria que ao lembrar de você 
Nada além de doces e travessuras viesse a minha cabeça.

Queria ter um lápis já no fim do grafite
Pra desenhar seu nome no meu coração 
E dali você não sairia,
Cercado e protegido pelas linhas tortas 
Do meu amor verde-limão.

Queria te dar de presente um anel vindo em um caramelo
E te oferecer a lealdade de um melhor amigo.

Que seu estalinho em baixo do pé de goiaba
Fosse mais gostoso que doce-de-leite na colher
E mais intrigante que as pílulas de encolhimento do Chapolin.

Que as nossas brigas fossem mera questão
De decidir entre o ursinho Teddy e o gato malhado
Para ser nosso filho do meio.

O nosso amor deveria ser assim 
Intenso, sincero e malcriado
Como só duas crianças conseguem ser.

Diansley Raphael


domingo, 17 de junho de 2012

Em harmonia com o Acusador.

 Freud o definiu como superego, a religião o definiu como diabo ( diabolos, do grego "o que fala contra") já Jung o definiu na sua essência como a voz interior que não é a consciência propriamente dita, pois consciência está relacionada a atitudes coerentes livres de julgamentos e das amarras de qualquer modelo mental, a definição mais correta para essa voz diabólica que chega em momentos de escolhas, conflitos e sentimentos de inércia usada por Jung foi o Acusador. Todos temos essa voz interior que nos limita e nos puxa para baixo, quando poderíamos ir muito mais além dos limites de nosso ego.

 O ego aliás, é quem determina nossa culpa, que diz o que somos ou não capazes de realizar, qual o máximo de nosso potencial, o ego expande o nosso modelo mental a ponto de criarmos padrões para nossos relacionamentos, vida social, financeira e capacidade mental. Nossas experiências de vida podem no máximo, serem usadas para reflexão, onde erramos, o que faltou ser feito para evitar a frustração e conquistar os objetivos almejados. Temos a mania de julgar os acontecimentos de hoje baseados no sempre passado, a relação que nossas mães têm com nossos pais por exemplo, por mais que digamos sermos totalmente independente de pensamento, determina qual o padrão de pessoas que devem entrar e permanecer em nossas vidas, se um acontecimento hoje é familiar ao nosso modelo mental, o decíframos erroneamente, ao invés de analisa-lo em sua essência. Todo esse sentimento de prejugarmos pessoas, acontecimentos e a nos mesmos, é basicamente o acusador fazendo o que ele faz de melhor: dizer qual é o seu melhor e até onde você consegue ir.

 Se livrar do acusador é tarefa difícil, considerando que ele está em nossa essência, mas conviver com ele pacificamente é o passo inicial para reconhecermos os conflitos que estão muitos mais enraizados a como aprendemos a pensar do que a qualquer percepção racional. O acusador nos impede de evoluir enquanto pessoas, pois para mim, isso está muito mais ligado a plenitude de vivenciar o hoje do que imaginamos. O hoje livre das culpas e experiências passadas e anteriores a nossa existência, nos permite enxergar situações difíceis e momentos de impasse com muito mais serenidade mas acima de tudo faz com entendamos que estamos em um processo adaptativo constante, o que o acusador te mostra como uma cilada, como algo do qual você deve fugir, como o fundo do posso, a consciência racional te mostra como uma possibilidade de evolução. Estar em um conflito ou se sentir inerte no fluxo da vida é o pontapé para as mudanças necessárias quando o acusador deixa de protagonizar os nossos pensamentos.


 " O crítico interior pode nos debilitar. Devemos aprender a reconhecer esse inimigo, já que o reconhecimento é o primeiro passo para nos impedir que esse adversário nos paralise. Cada um possui  um Acusador com uma personalidade específica e uma forma específica de enviar uma mensagem desencorajadora. Se não reconhecermos o Acusador, nossos sentimentos de culpa, vergonha ou inadequação serão vagos ou indiferenciados. Eles se tornam meramente "quem somos nós", em vez da voz de um intruso que não nos ajuda em nada. " 

Timothy Butler no livro "Como Sair do Impasse.